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Pode parecer, à primeira vista, que um estudo atual do estado acústico de teatros gregos está completamente fora de nossa época, época esta em que um sistema de amplificação eletrônica possibilita transmitir o som a enormes distâncias, abrindo audiência de milhares de pessoas (woodstock) sem a construção de qualquer anfiteatro, conchas etc.
Entretanto, não se deve esquecer que um auditório ao ar livre não é utilizado exclusivamente para transmissão de música eletrônica, é um local para apresentação de todo e qualquer espetáculo, seja ele ballet, música, drama, cinema, eventos cívicos etc., onde o espectador deve ouvir e ver, e até, poder participar pessoalmente; um lugar de união.
Os estudos dos Teatros Gregos tiveram seu ponto culminante nos anos de 1958 a 1968. Estranhamente, estes estudos, tendo atingido seu ápice, declinaram e praticamente desapareceram da literatura técnica internacional, não acontecendo o mesmo com outros assuntos da Acústica linear, subaquática, arquitetônica, psicológica e muitos outros. Talvez este declínio possa ser explicado pela dificuldade da aplicação dos conhecimentos adquiridos da Grécia Antiga a países de clima moderado a frio como Dinamarca, Alemanha, Inglaterra, U.S.A. etc., países estes que justamente desenvolveram a maior tecnologia e interesse pela própria acústica. Um auditório ao ar livre tem seu uso dependente diretamente do clima, da temperatura externa; é difícil imaginar vários milhares de pessoas assistirem, sentadas e quietas por duas horas ou mais, a uma apresentação musical num ambiente de 10° ou temperatura ainda mais baixa. O caso do Brasil é totalmente inverso, seu clima convida à permanência no exterior, fazendo, ao contrário, depender o uso de salas de reunião internas da instalação de ar condicionado. O objeto deste artigo é reunir os conhecimentos e análises da metodologia aplicada na implantação e construção propriamente dita dos Teatros Gregos, contemplando-os com observações pessoais.
A excelência da acústica do Teatro Grego não pode ser atribuída a um único fator específico. A perfeita distribuição da energia sonora pelo local, oferecendo a ótima audibilidade dos sons produzidos no palco, é resultado direto de criteriosas observações efetuadas pelos antigos habitantes dos fenômenos naturais, utilizando-os na localização e construção do teatro. Os estudos realizados por F. Canac (1967) e Papathanasopoulos (1959, 1962) atribuem a ótima acústica do Teatro Grego principalmente a sua geometria, enquanto que o grupo de acústica da Universidade de Berlim, liderado por r. Kurer, é inclinado a indicar como fator decisivo o silêncio do local. Marcus Vitruvius Pollio (25 ªC.) atribui esta perfeição acústica à criteriosa escolha do local e ao uso, em parte, de vasos ressonantes embutidos nos degraus do auditório. Reunindo todas estas observações, é possível resumi-las a poucos itens, a saber: Silêncio do local (30 dbs) e ventos favoráveis do palco para a audiência; Inclinação forte das arquibancadas (25° a 30°) - esta particularidade está discutida mais abaixo. Geometria favorável dirigindo as reflexões do palco "orchestra" a locais mais afastados, com mínimo de atraso de tempo em comparação ao som direto.
Os vasos ressonantes, mencionados por Vitruvius, hoje não existem mais, e devem ter contribuído para a musicabilidade e intensidade de som, melhorando ainda mais a acústica do local (Vide abaixo). Para quem visita estes Teatros, as poucas específicas qualidades mencionadas acima não satisfazem, não chegam a convencer, sente-se que deve existir algo mais que contribui para a perfeita acústica do local.
Ouvir claramente a queda de uma moeda sobre uma placa de pedra no centro da "orchestra" dos últimos degraus do anfiteatro, a uma distância de 70 m, é impressionante, é um tanto irreal, é uma experiência aural que não se esquece e que intriga, provocando o desejo de encontrar uma explicação lógica para o fenômeno. Foi justamente este desejo que levou o autor deste a elaborar uma pesquisa comparativa entre os muitos Teatro Antigos ainda existentes à procura de um denominador comum. Antes de descrever a opinião que se formou a respeito, cabe uma explicação de um fenômeno natural de propagação de som ao ar livre, o qual pode-se denominar como "Acústica Térmica". Este fenômeno é conhecido pelos estudiosos de há muitos anos (vide Knudsen, C. Harris, F. Ingerslev, L. Cremer, A. Raes e muitos outros) e naturalmente por todos os homens que vivem ao ar livre. De manhã cedo, sobre um lago, com o tempo bom, sem vento, pode-se ouvir sons a distâncias de várias centenas de metros (todo pescador sabe disto). A explicação é simples: o som se propaga nas camadas quentes de ar superior cm maior velocidade do que próximo à água onde a temperatura é mais baixa, fazendo a energia sonora voltar sobre a superfície do lago a qual a reflete novamente e assim por diante, similarmente a uma lasca de pedra arremessada paralelamente a água. Este simples fenômeno, ou seja, a desigualdade de propagação do som em ar de temperaturas diferentes, deve ter sido de pleno conhecimento dos gregos, e foram aproveitados na construção do teatro onde a audição tinha uma importância vital. Comparando entre si as várias posições dos Teatros Antigos em relação a outras áreas da cidade, pode-se imediatamente notar que não há qualquer semelhança entre as mesmas.
Entretanto, os teatros foram sempre localizados, segundo as palavras do Prof. J.J. Wilkes, "onde as condições acústicas eram melhores". Aí surge a pergunta: quais são estas condições? Analisando-se as plantas das antigas cidades, nota-se que o teatro sempre era localizado longe de locais que, por sua natureza, eram ruidosos, por exemplo, centro de comércio: agora, encontra-se deste fato em: Atenas, Corinto Velho, Salamis, Pergamum, Aspedos, Pompeil etc. Quando estas áreas eram próximas, ficavam separadas por muralhas: Dodona, Side. A seguinte análise abordou a verificação da posição do teatro quanto à orientação norte-sul. Curiosamente, encontra-se aí uma forte discrepância, enquanto os teatros de Dionísio, Odeon, Delphi, Dodona, Philippi, Delos, Pergamum, Priene, Aspendus, Miletus olham para o sul, outros como Corinto Velho, Epidaurus, Samothrace, Salamis, Xanthos, Cherchel, Djemila, Tipaza, Sabratha, Lepcis olham para o norte; alguns para oeste: Ephesus, ou leste - Side. Geralmente, eventos na Grécia Antiga eram apresentados pela manhã (Prof. J. P. Barron, D. Pihil), quando a pedra dos anfiteatros apresentava temperatura baixa, emanando o frio armazenado durante a noite, o que permitia a formação do fenômeno " Acústica Térmica", acima mencionado. Com o aquecimento do piso do anfiteatro, o ar quente subia provocando a formação de uma leve brisa vindo do vale ou do mar, brisa esta que novamente conduzia o som do palco para a audiência.
Como já foi afirmado acima, o bom funcionamento acústico do Teatro Grego não depende só e exclusivamente do fenômeno de "Acústica Térmica", bem ao contrário, o resultado favorável depende de todos os fatores acima citados: silêncio do local, inclinação e relacionamento geométrico do palco, anfiteatro, vento orientação etc. A forte inclinação da arquibancada tem uma profunda influência na boa audibilidade. A massa da audiência apresenta uma forte absorção ao som, que passa sobre as cabeças. Um teatro ao ar livre não possui um teto, um forro que nos teatros e auditórios fechados age como um enorme aparelho refletor, devolvendo uma boa parte da energia sonora sobre a audiência com um ângulo grande, reduzindo a absorção existente devido à pouca inclinação da platéia. Existe, além destes fatores, ainda mais um que não foi mencionado porque sua influência não é muito pronunciável e ainda discutível, é o "tempo de reverberação". É difícil imaginar a sua existência ao ar livre, porém a pessoa que penetra nos grandes teatros gregos logo pode notar que o som emitido tem , como se diz na linguagem técnica de "alta fidelidade", uma certa "coloração". Efetuando-se um cálculo elementar do tempo de reverberação do, por exemplo, Teatro de Epidaurus, acha-se 0.60 segundos, o que é acima de zero como deveria ser teoricamente. Uma das observações, muito curiosa, foi efetuada no Teatro de Ephesus, quando um golpe de vento foi refletido pelo enorme cone truncado que é a audiência com um definido som de baixa freqüência similar ao ligeiro toque no pedal de um grande órgão de tubos, comprovando a existência de uma reverberação no local. Como se sabe toda reverberação amplia o som emitido, colaborando desta forma na melhor audibilidade nos teatros ao ar livre, que tem a forma tradicional adotada pela Grécia Antiga.
O som da queda de uma moeda mencionada acima , a 2.0m, é ouvida com 53db e teoricamente deveria perder com os 56m de afastamento, 20 log 56:2 = 29db, e ser ouvida a esta distância com 53-29 = 24db, - o que não se dá na realidade. O som da queda da moeda é ouvido claramente com 30 a 32 db, ou seja, a propagação do som no Teatro Grego é maior do que deveria ser em área "ao ar livre". Deve-se notar que até agora não houve menção de qualquer elemento refletor no fundo do palco. Realmente, existiam na maioria dos teatros atrás do palco (Skéné) construções geralmente ornadas com colunas e que serviam de fundo para o desenvolvimento da ação cênica. O teatro Odeon, em Atenas, possui esta parede perfeitamente conservada e restaurada. Vem aí a pergunta: qual é o verdadeiro valor acústico das denominadas "Conchas Acústicas", ultimamente em moda no Brasil ? Do acima exposto nota-se que existem grande número de fatores que influíram na formação do estado acústico do Teatro Grego; comparando-os um a um com as das construções das nossas " Conchas" é possível compreender o porquê da insuficiência das mesmas. Localizadas freqüentemente no centro das cidades, expostas a intensos ruídos (60 a 80 db), enquanto o mesmo nos Teatro Gregos não ultrapassa os 30db, estas "Conchas" apresentam formas geralmente erradas; não há cuidados na sua orientação com relação a ventos e muito menos considerações térmicas. O resultado, como é de esperar, é insatisfatório. Uma "Concha Acústica" quando bem projetada oferece as seguintes vantagens: audibilidade necessária para os músicos de uma orquestra - eles ouvem bem uns aos outros - , aumento de nível de som emitido, o qual varia entre 3 e 5 db (no máximo); certa proteção de sol e chuva.
No começo desta exposição foram mencionados "vasos ressonantes" descritos por Vitruvius (25 A.C.). Não se tem notícias de seu uso em auditórios ao ar livre modernos. Talvez a única experiência que se conhece foi realizada pelo autor deste em Campinas, Parque Taquaral, no chamado Auditório "Beethoven", onde todos os assentos são formados por caixas ressonantes com frequências variáveis. O teste inicial foi efetuado m câmara anecóica, que permitiu a comprovação da veracidade do fenômeno. Um ressoador sem material absorvente no seu interior amplia o som que encontra. Esta ampliação é ouvida somente a curta distância do ressoador, 0,50 a 1,00m, e se dá somente em baixas frequências (100 a 300 Hz), porém é extremamente importante ao ar livre onde a música tem uma qualidade muito "seca".